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segunda-feira, 8 de abril de 2013

Traços Arigós na cultura parintinense


 
O jeito peculiar dessa gente contribui para o desenvolvimento local.

                                                                                                Fonte: Grupo 01
 Antônio Gregório (à direito) em seu ambiente de trabalho 

A cultura parintinense é constituída a partir da aculturação com outros povos como os japoneses, italianos, judeus, entre outros. Há ainda os nordestinos, chamados no município de arigós que chegaram no século passado à cidade, aqui se fixaram e contribuem de maneira significativa para formação da sociedade no município.
Darcy Ribeiro descreve em O Povo Brasileiro (1995), que no passado o sertão, lugar de onde vem à maioria dos arigós, era um ambiente de difícil sobrevivência, pois  a vegetação era pobre, com pastos ralos e secos, a terra e as irregularidades do regime de chuva geravam uma economia pobre e dependente. “A vida do cearense é muito difícil porque é castigada pelo tempo, pelas secas, as condições são difíceis”, diz  o sobralense Antônio Gregório, 66, conhecido como Gringo. 
Assim muitos deles mudavam-se para diferentes localidades do país. A Amazônia foi um desses lugares que recebeu um fluxo intenso de pessoas vindas da região do nordeste, eles eram bem aproveitados em razão da predisposição ao sacrifício e a violência, uma tipicidade exclusivamente deles e que fez com que recebessem a descrição pelo nome arigó.
Em Parintins, no interior do Amazonas, há uma porção deles, alguns chegaram há muitos anos e fixaram residência, outros estão se estruturando ainda. Mas, já se destacam por uma qualidade que os parintinenses consideram ser o ponto forte de muitos deles, o comércio. A maioria das pessoas o definem como bons negociantes e quando se fala no assunto, a referência são os arigós.
De acordo com informações da Associação dos Comerciantes e Lojistas de Parintins (ACLP), não há um registro específico do número de comerciantes arigós na cidade, isso porque muitos deles ainda trabalham de maneira informal. É o caso de muitos prestamistas (vendedores ambulantes de mercadorias), esse tipo de atividade é desenvolvido por muitos deles, que negociam utensílios com pagamentos a longo prazo.
Outros estão espalhados por diversos cantos da cidade, sem mencionar os arigós que se concentram em uma das ruas mais movimentadas do centro do município, a João Mello, conhecida também como a rua do comércio. Dentre eles alguns ainda mantém sua tradição cultural no jeito de falar quando querem atrair os clientes. São sempre muito receptivos, esse é um diferencial que faz com que eles se sobressaiam.
A maneira como arrumam um objeto na prateleira da loja, a forma da expressão facial, a voz num tom mais elevado e sempre sorridente, estas são características natas de um arigó. Outro ponto que os Parintinenses sempre fazem resalva é de que muitos dos grandes comerciantes existentes na Ilha Tupinanabarana começaram seus empreendimentos praticamente do nada, estendendo suas mercadorias no meio da rua.
Foi assim que aconteceu com Edmilson Xavier Lisboa, 62, que nasceu na cidade de Sobral, no interior do Ceará. Logo que chegou a Parintins, vendia perfumes em tabuleiros. Atualmente Edmilson é proprietário de uma loja de eletroeletrônicos na rua do comércio, já faz mais de 40 anos que ele mora em Parintins e já se considera filho da terra.
Ele fala que o motivo para ter deixado a sua terra natal teria sido a vantagem da margem de lucro econômico que, segundo ele, em Parintins as mercadorias são vendidas por um preço bem maior que o de lá, isso faz com que a estabilidade financeira das famílias que trabalham no ramo do comércio, crie grandes espectativas de vida e optem por morar no município.
Para Edmilson, nas cidades do interior do Amazonas a concorrência é pouca e facilita ao máximo a saída dos produtos a venda, eles saem da loja em curto tempo e  por uma quantia grande de unidades e valor.
Quando muitos desses arigós mudam para outras regiões, pressupõe-se que de alguma forma e por algum tempo haja um estranhamento com relação à cultura ou costumes do respectivo lugar, diferentemente do que muitos possam pensar, alguns deles ainda mantêm fortes ligações com a culinária e o jeito de ser típico desse povo, muitos deles ainda continuam com os mesmos traços culturais do nordeste.
Uma situação parecida é a do vendedor de confecções, Dênis Moreira da Silva, 45, nascido em Fortaleza, capital do Ceará, mora em Parintins há 12 anos, começou o seu empreendimento da mesma maneira como a maioria de seus amigos, que herdaram a profissão dos pais, e viram em Parintins uma alternativa para comercializar seus produtos, pois, de acordo com ele, havia uma carência muito grande no mercado de roupas na cidade.
Apesar de Dênis ter encontrado dificuldades de adaptação com a cultura e modo de ser do povo Parintinense, já conseguiu se harmonizar com as características e o dia-dia do parintinense. Dênis disse que, conseguem atrair clientes porque são extrovertidos e estudam a maneira de ser das pessoas quando entram na loja, falou ainda que os turcos são referência no comércio e os arigós são os turcos de Parintins.
Dênis relatou que o perfil do cliente caboclo, é tímido, com muita vergonha e de certa forma desorganizados, ao invés das vitrines, preferem os tabuleiros e gostam de ficar muito à vontade quando estão escolhendo algum produto, gostam de conversar e de preferência com quem fala a mesma linguagem deles.
Há quem confirme essas especulações mencionadas por Denis.  Edmilson Xavier relatou um fato, em um de seus amigos abriu uma loja de eletrodomésticos, com vitrines, ar-condicionado, mas, o negócio não estava dando certo, niguém comprava os produtos, foi aí que Edmilson sugeriu para que seu amigo mudasse a estrutura da loja, para o jeito mais simples possível, o seu amigo seguiu o conselho e então passou a vender mais produtos.
Edmilson falou que a loja começou a faturar mais e o empreendimento deu tão certo, que hoje é um dos maiores de Parintins. Os arigós acreditam que se o caboclo ver uma loja muito bonita e organizada, é capaz de os clientes nem  entrarem, só pelo fato de pensarem que o ambiente não foi feito para eles. Em termos de organização, eles preferem não arriscar e isso é fato.
Na maioria das vezes é comum notarmos os pequenos comerciantes arigós da cidade, em pequenos box ou tendas, sem camisa e vendendo algumas coisas por um preço mais barato, o que faz ser mais acessível para quem compra e por isso ganham o maior número de clientes em pouco tempo.

Culinária
A culinária do arigó é bastante diversificada com comidas tipicamente nordestina que influencia bastante na culinária parintinense. As comidas se caracterizam por serem apimentadas e terem temperos marcantes.  Alguns arigós que moram em Parintins, ainda mantêm os mesmos tipos de costumes e tradições de guloseimas trazidos do Nordeste, como: cuscuz, vatapá, carne de sol e a feijoada.
“Em Massapé (Ceará) gostávamos de comer cuscuz, feijão com toicinho e peixe frito. Ainda tento manter esses costumes aqui em Parintins, de vez em quando faço essas comidas para minha família”, diz a sobralense Maria Benedita, 62.
Por ser influente na região amazônica, é possível encontrar em Parintins alguns pratos típicos nordestinos nas festas juninas e arraiais. Quem nunca provou o famoso baião de dois, mingau de mungunzá, vatapá, paçoca, bolo de macaxeira, tapioquinha, quebra queixo, cuscuz, canjica? Assim, é preciso levar em consideração que o povo parintinense herdou muitos pratos dos arigós.
“Sou Amazonense e gosto muito da comida nordestina, principalmente das comidas que são vendidas em festas juninas e nos arraiais das festas dos Santos, no mês de junho. Em casa também faço comidas que gosto como pamonha, tapioquinha e outros” - declara a parintinense Trindade Soares, 42.

O trabalho na vida dos arigós
Os arigós valorizam muito o trabalho em todas as suas dimensões. Para eles esse exercício social tem um valor importante na construção de valores éticos e da dignidade pessoal. O trabalho é colocado na vida dessas pessoas muito cedo, e isso é um legado passado de pai pra filho. Isso é evidente na forma de administrar seus negócios e está presente em suas vidas cotidianas com o jeito particular de convencimento e da relação interpessoal que até hoje é comum, é aprendida na própria família.
Segundo Wenderson Alves, 26, descendente de arigó diz que não têm medo de trabalhar e se adaptam em qualquer lugar, devido as constantes viagens que faziam, e pelas dificuldades que enfrentavam ao migrarem de uma cidade para outra, em busca por melhores condições de vida. O trabalho para eles significa a conquista de espaço, dignidade e realização financeira.
Isso se percebe na atuação de suas funções como a de vendedor, cobrador e prestamista. Wenderson relatou que a pior dificuldade enfrentada pela família foi ao chegar em Parintins, pois aconteceu o estranhamento com cultura local e as demais manifestações que divergem  de seus costumes. A diferença de clima e as condições de solo inapropriadas para alguns produtos trazidos do Maranhão dificultaram a forma de trabalhar, pois a família vivia da agricultura. O comercio apareceu na vida da família como outro meio de sobrevivência. Hoje segundo ele a família tem uma condição de vida suficiente para sobreviver, e não pensam em sair de Parintins.
Na sua cidade Natal vão somente para visitar seus parentes e matar a saudade de amigos que deixaram para traz. Como em outras culturas e sociedades distintas, os arigós possuem um laço afetivo muito forte. A família é muito importante na vida dessas pessoas, o seu papel é configurado até na hora da distribuição das funções de trabalho.  Uma característica bem peculiar nessas pessoas é a capacidade de adaptação, a interação e a luta para conseguir seus objetivos dando prioridade para o não desperdício.


A mulher arigó
              As mulheres destes nordestinos ainda mantém certa submissão aos mandos e desmandos do marido, muitas deixaram seus familiares para acompanhar seus esposos para diversas localidades do país. Benedita Maria, 62, trabalhava como professora em Massapé, e deixou a cidade para seguir viagem com o marido. Ao chegar a Parintins com o Francisco Justos, 67, parou de trabalhar para cuidar do lar.
              A sociedade ainda vê isso com certo ar de preconceito, sendo que, nos dias de hoje a mulher já elevou seu modelo de vida, e está cada vez mais inserida nos trabalhos fora de casa. Com essa família é diferente, é um modo de preservar a maneira como vivem. “Ele não me deixou mais trabalhar, disse para eu escolher cuidar da casa ou trabalhar, e optei por cuidar da casa”, diz Benedita.
              A sobralense Maria Lisboa, 57, também deixou de trabalhar para cuidar da casa e do comercio junto ao marido Raimundo Alves, 67. Pode-se notar também, certa submissão, essa que como diz os natos arigós vem de família, passado de pai para filho, cultura que é preservada ainda que longe de sua terra natal. “Não tive dificuldade em me adaptar ao cotidiano e modo de vida que a cidade oferece, até mesmo pela diversidade de culturas que há.”

Adaptação
Os arigós normalmente têm coisas em comum, por exemplo, o modo de ver a vida, de ir à luta e através do trabalho pesado conquistar seu modo de sobreviver. Em sua cidade de origem, no começo trabalhava no campo, roçado e plantações, e tinham a fartura de alimentos, “De certa forma, não queria vir, mas pelo fato de ser casada e ter respeito ao meu marido me submeti à vinda pra cá”. Diz Benedita.
Antônio Gregório chegou a Parintins no dia 14 de outubro de 1969 e fala que desde então a cidade mudou muito. Assim como outros retirantes um dos principais motivos que impulsionou o sobralense a emigrar de sua região para Parintins, foi a busca por melhores condições de vida, obrigando-o a deixar para trás sua família, costumes e hábitos.
 Adaptar-se em culturas totalmente diferentes é uma das principais dificuldades que o ser humano enfrenta quando precisa se deslocar de um lugar para outro, se deparando com uma realidade totalmente desconhecida. “Foi um pouco difícil me adaptar aqui no começo porque eu não tinha ninguém, e ainda via algumas pessoas me olharem de um jeito estranho por eu ter vindo de fora,” lembra Antônio Gregório.
A alimentação do amazonense também causa estranhamento, pois tem como base o peixe com a farinha de mandioca, e frutas típicas da região como tucumã, mas muitos arigós gostam e aderem ao seu cardápio alimentar. Como Maria Lisboa que gosta muito de pão com tucumã e peixe assado com “pirão de farinha”.
O modo de interagir é bem visível, na medida em que conhecem e se aprofundam na história local da cidade. Por isso tem grande tendência em se desenvolver, tanto economicamente quanto culturalmente.

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