O
jeito peculiar dessa gente contribui para o desenvolvimento local.
Fonte: Grupo 01
Antônio Gregório (à direito) em seu ambiente
de trabalho
A cultura parintinense é constituída a
partir da aculturação com outros povos como os japoneses, italianos, judeus,
entre outros. Há ainda os nordestinos, chamados no município de arigós que
chegaram no século passado à cidade, aqui se fixaram e contribuem de maneira
significativa para formação da sociedade no município.
Darcy Ribeiro descreve em O Povo
Brasileiro (1995), que no passado o sertão, lugar de onde vem à maioria dos
arigós, era um ambiente de difícil sobrevivência, pois a vegetação era pobre, com pastos ralos e
secos, a terra e as irregularidades do regime de chuva geravam uma economia
pobre e dependente. “A vida do cearense é muito difícil porque é castigada pelo
tempo, pelas secas, as condições são difíceis”, diz o sobralense Antônio Gregório, 66, conhecido
como Gringo.
Assim
muitos deles mudavam-se para diferentes localidades do país. A Amazônia foi um
desses lugares que recebeu um fluxo intenso de pessoas vindas da região do
nordeste, eles eram bem aproveitados em razão da predisposição ao sacrifício e
a violência, uma tipicidade exclusivamente deles e que fez com que recebessem a
descrição pelo nome arigó.
Em
Parintins, no interior do Amazonas, há uma porção deles, alguns chegaram há
muitos anos e fixaram residência, outros estão se estruturando ainda. Mas, já
se destacam por uma qualidade que os parintinenses consideram ser o ponto forte
de muitos deles, o comércio. A maioria das pessoas o definem como bons negociantes
e quando se fala no assunto, a referência são os arigós.
De
acordo com informações da Associação dos Comerciantes e Lojistas de Parintins
(ACLP), não há um registro específico do número de comerciantes arigós na
cidade, isso porque muitos deles ainda trabalham de maneira informal. É o caso
de muitos prestamistas (vendedores ambulantes de mercadorias), esse tipo de
atividade é desenvolvido por muitos deles, que negociam utensílios com
pagamentos a longo prazo.
Outros
estão espalhados por diversos cantos da cidade, sem mencionar os arigós que se
concentram em uma das ruas mais movimentadas do centro do município, a João
Mello, conhecida também como a rua do comércio. Dentre eles alguns ainda mantém
sua tradição cultural no jeito de falar quando querem atrair os clientes. São
sempre muito receptivos, esse é um diferencial que faz com que eles se
sobressaiam.
A
maneira como arrumam um objeto na prateleira da loja, a forma da expressão
facial, a voz num tom mais elevado e sempre sorridente, estas são
características natas de um arigó. Outro ponto que os Parintinenses sempre
fazem resalva é de que muitos dos grandes comerciantes existentes na Ilha
Tupinanabarana começaram seus empreendimentos praticamente do nada, estendendo
suas mercadorias no meio da rua.
Foi
assim que aconteceu com Edmilson Xavier Lisboa, 62, que nasceu na cidade de
Sobral, no interior do Ceará. Logo que chegou a Parintins, vendia perfumes em
tabuleiros. Atualmente Edmilson é proprietário de uma loja de eletroeletrônicos
na rua do comércio, já faz mais de 40 anos que ele mora em Parintins e já se
considera filho da terra.
Ele
fala que o motivo para ter deixado a sua terra natal teria sido a vantagem da
margem de lucro econômico que, segundo ele, em Parintins as mercadorias são
vendidas por um preço bem maior que o de lá, isso faz com que a estabilidade
financeira das famílias que trabalham no ramo do comércio, crie grandes
espectativas de vida e optem por morar no município.
Para
Edmilson, nas cidades do interior do Amazonas a concorrência é pouca e facilita
ao máximo a saída dos produtos a venda, eles saem da loja em curto tempo e por uma quantia grande de unidades e valor.
Quando
muitos desses arigós mudam para outras regiões, pressupõe-se que de alguma
forma e por algum tempo haja um estranhamento com relação à cultura ou costumes
do respectivo lugar, diferentemente do que muitos possam pensar, alguns deles
ainda mantêm fortes ligações com a culinária e o jeito de ser típico desse povo,
muitos deles ainda continuam com os mesmos traços culturais do nordeste.
Uma
situação parecida é a do vendedor de confecções, Dênis Moreira da Silva, 45,
nascido em Fortaleza, capital do Ceará, mora em Parintins há 12 anos, começou o
seu empreendimento da mesma maneira como a maioria de seus amigos, que herdaram
a profissão dos pais, e viram em Parintins uma alternativa para comercializar
seus produtos, pois, de acordo com ele, havia uma carência muito grande no
mercado de roupas na cidade.
Apesar
de Dênis ter encontrado dificuldades de adaptação com a cultura e modo de ser
do povo Parintinense, já conseguiu se harmonizar com as características e o dia-dia
do parintinense. Dênis disse que, conseguem atrair clientes porque são
extrovertidos e estudam a maneira de ser das pessoas quando entram na loja, falou
ainda que os turcos são referência no comércio e os arigós são os turcos de
Parintins.
Dênis
relatou que o perfil do cliente caboclo, é tímido, com muita vergonha e de
certa forma desorganizados, ao invés das vitrines, preferem os tabuleiros e
gostam de ficar muito à vontade quando estão escolhendo algum produto, gostam
de conversar e de preferência com quem fala a mesma linguagem deles.
Há
quem confirme essas especulações mencionadas por Denis. Edmilson Xavier relatou um fato, em um de
seus amigos abriu uma loja de eletrodomésticos, com vitrines, ar-condicionado, mas,
o negócio não estava dando certo, niguém comprava os produtos, foi aí que Edmilson
sugeriu para que seu amigo mudasse a estrutura da loja, para o jeito mais
simples possível, o seu amigo seguiu o conselho e então passou a vender mais
produtos.
Edmilson
falou que a loja começou a faturar mais e o empreendimento deu tão certo, que
hoje é um dos maiores de Parintins. Os arigós acreditam que se o caboclo ver
uma loja muito bonita e organizada, é capaz de os clientes nem entrarem, só pelo fato de pensarem que o
ambiente não foi feito para eles. Em termos de organização, eles preferem não
arriscar e isso é fato.
Na
maioria das vezes é comum notarmos os pequenos comerciantes arigós da cidade,
em pequenos box ou tendas, sem camisa e vendendo algumas coisas por um preço
mais barato, o que faz ser mais acessível para quem compra e por isso ganham o
maior número de clientes em pouco tempo.
Culinária
A culinária do arigó é bastante
diversificada com comidas tipicamente nordestina que influencia bastante na
culinária parintinense. As comidas se caracterizam por serem apimentadas e
terem temperos marcantes. Alguns arigós
que moram em Parintins, ainda mantêm os mesmos tipos de costumes e tradições de
guloseimas trazidos do Nordeste, como: cuscuz, vatapá, carne de sol e a
feijoada.
“Em Massapé (Ceará) gostávamos de comer
cuscuz, feijão com toicinho e peixe frito. Ainda tento manter esses costumes
aqui em Parintins, de vez em quando faço essas comidas para minha família”, diz
a sobralense Maria Benedita, 62.
Por ser influente na região amazônica, é
possível encontrar em Parintins alguns pratos típicos nordestinos nas festas
juninas e arraiais. Quem nunca provou o famoso baião de dois, mingau de
mungunzá, vatapá, paçoca, bolo de macaxeira, tapioquinha, quebra queixo,
cuscuz, canjica? Assim, é preciso levar em consideração que o povo parintinense
herdou muitos pratos dos arigós.
“Sou Amazonense e gosto muito da comida
nordestina, principalmente das comidas que são vendidas em festas juninas e nos
arraiais das festas dos Santos, no mês de junho. Em casa também faço comidas
que gosto como pamonha, tapioquinha e outros” - declara a parintinense Trindade
Soares, 42.
O trabalho na vida dos arigós
Os arigós valorizam muito o trabalho em
todas as suas dimensões. Para eles esse exercício social tem um valor
importante na construção de valores éticos e da dignidade pessoal. O trabalho é
colocado na vida dessas pessoas muito cedo, e isso é um legado passado de pai
pra filho. Isso é evidente na forma de administrar seus negócios e está presente
em suas vidas cotidianas com o jeito particular de convencimento e da relação
interpessoal que até hoje é comum, é aprendida na própria família.
Segundo Wenderson Alves, 26, descendente
de arigó diz que não têm medo de trabalhar e se adaptam em qualquer lugar,
devido as constantes viagens que faziam, e pelas dificuldades que enfrentavam
ao migrarem de uma cidade para outra, em busca por melhores condições de vida.
O trabalho para eles significa a conquista de espaço, dignidade e realização
financeira.
Isso se percebe na atuação de suas
funções como a de vendedor, cobrador e prestamista. Wenderson relatou que a
pior dificuldade enfrentada pela família foi ao chegar em Parintins, pois aconteceu
o estranhamento com cultura local e as demais manifestações que divergem de seus costumes. A diferença de clima e as
condições de solo inapropriadas para alguns produtos trazidos do Maranhão
dificultaram a forma de trabalhar, pois a família vivia da agricultura. O
comercio apareceu na vida da família como outro meio de sobrevivência. Hoje
segundo ele a família tem uma condição de vida suficiente para sobreviver, e
não pensam em sair de Parintins.
Na sua cidade Natal vão somente para
visitar seus parentes e matar a saudade de amigos que deixaram para traz. Como
em outras culturas e sociedades distintas, os arigós possuem um laço afetivo
muito forte. A família é muito importante na vida dessas pessoas, o seu papel é
configurado até na hora da distribuição das funções de trabalho. Uma característica bem peculiar nessas
pessoas é a capacidade de adaptação, a interação e a luta para conseguir seus
objetivos dando prioridade para o não desperdício.
A
mulher arigó
As
mulheres destes nordestinos ainda mantém certa submissão aos mandos e desmandos
do marido, muitas deixaram seus familiares para acompanhar seus esposos para
diversas localidades do país. Benedita Maria, 62, trabalhava como professora em
Massapé, e deixou a cidade para seguir viagem com o marido. Ao chegar a
Parintins com o Francisco Justos, 67, parou de trabalhar para cuidar do lar.
A sociedade ainda vê isso com certo
ar de preconceito, sendo que, nos dias de hoje a mulher já elevou seu modelo de
vida, e está cada vez mais inserida nos trabalhos fora de casa. Com essa
família é diferente, é um modo de preservar a maneira como vivem. “Ele não me
deixou mais trabalhar, disse para eu escolher cuidar da casa ou trabalhar, e
optei por cuidar da casa”, diz Benedita.
A
sobralense Maria Lisboa, 57, também deixou de trabalhar para cuidar da casa e
do comercio junto ao marido Raimundo Alves, 67. Pode-se notar também, certa
submissão, essa que como diz os natos arigós vem de família, passado de pai
para filho, cultura que é preservada ainda que longe de sua terra natal. “Não
tive dificuldade em me adaptar ao cotidiano e modo de vida que a cidade
oferece, até mesmo pela diversidade de culturas que há.”
Adaptação
Os arigós normalmente têm coisas em
comum, por exemplo, o modo de ver a vida, de ir à luta e através do trabalho
pesado conquistar seu modo de sobreviver. Em sua cidade de origem, no começo
trabalhava no campo, roçado e plantações, e tinham a fartura de alimentos, “De
certa forma, não queria vir, mas pelo fato de ser casada e ter respeito ao meu
marido me submeti à vinda pra cá”. Diz Benedita.
Antônio Gregório chegou a Parintins no
dia 14 de outubro de 1969 e fala que desde então a cidade mudou muito. Assim
como outros retirantes um dos principais motivos que impulsionou o sobralense a
emigrar de sua região para Parintins, foi a busca por melhores condições de
vida, obrigando-o a deixar para trás sua família, costumes e hábitos.
Adaptar-se
em culturas totalmente diferentes é uma das principais dificuldades que o ser
humano enfrenta quando precisa se deslocar de um lugar para outro, se deparando
com uma realidade totalmente desconhecida. “Foi um pouco difícil me adaptar
aqui no começo porque eu não tinha ninguém, e ainda via algumas pessoas me
olharem de um jeito estranho por eu ter vindo de fora,” lembra Antônio
Gregório.
A alimentação do amazonense também causa
estranhamento, pois tem como base o peixe com a farinha de mandioca, e frutas
típicas da região como tucumã, mas muitos arigós gostam e aderem ao seu
cardápio alimentar. Como Maria Lisboa que gosta muito de pão com tucumã e peixe
assado com “pirão de farinha”.
O modo de interagir é
bem visível, na medida em que conhecem e se aprofundam na história local da
cidade. Por isso tem grande tendência em se desenvolver, tanto economicamente
quanto culturalmente.
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