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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

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Tateando Destinos
A história de Garcí, a Parteira
 Por: Mauro Júnior 
De Menina à Mãe
Garcí Tavares acredita no dom de ser parteira
     Garcí Tavares dos Santos é uma simpática parintinense de 54 anos de idade. Morena, de altura mediana, cabelos curtos e grisalhos, tem uma gargalhada inconfundível e é cheia de histórias para contar. Histórias de uma vida repleta de emoções que teve início no dia 12 de julho do ano de 1959, quando a mãe, Benedita Tavares, e o pai, Francisco dos Santos, viajavam do Paraná do Espírito Santo à sede de Parintins para participar dos festejos em honra a Nossa Senhora do Carmo, padroeira do município.
            Dona Benedita sentiu as primeiras dores do parto enquanto ainda estava no barco, mas ela não disse nada a ninguém. Durante o arraial as dores aumentaram e ela teve que ser levada às pressas para a casa de Martinha, a parteira. Chegava ao mundo a segunda filha de uma prole que aumentaria para oito crianças. À menina recém-nascida a mãe deu o nome de Garcí, em homenagem a sua avó, Maria Garcí, que havia falecido há alguns meses.

           Nos primeiros dez anos, Garcí viveu no interior onde morava com os pais, mas no início de 1970 a família se mudou para Parintins, após o pai conseguir um terreno no recém-criado bairro de São Francisco. Para sustentar a família, “Chico”, apelido do pai de Garcí, pescava e vendia peixes todos os dias. 
         Benedita e Francisco eram semianalfabetos e nunca se importaram com os estudos. Se não fosse a insistência dos vizinhos e dos amigos eles jamais teriam matriculado os filhos em uma escola.
          Apesar de ter começado tardiamente a vida escolar, Garcí se dedicou aos estudos o quanto pode e, mesmo trabalhando com os pais no roçado da família, ainda na comunidade do Paraná do Espírito Santo, arrumava um jeito para estudar na pequena escola de madeira da professora Edwirges, uma das poucas alfabetizadas daquele lugar. Em Parintins, no ano de 1970, Garcí e a irmã mais velha, Celeste, foram matriculadas na escola Araújo Filho onde estudaram até a terceira série, quando foram obrigadas a desistir em 1973, para ajudar na cria dos irmãos que nasciam ano após ano.
           Ao fazer referência a esse trecho da vida, Garcí conta que ficou ressentida com os pais, pois ela prezava bastante os estudos e sabia que era somente assim que ela poderia crescer na vida. No entanto, ela não os contrariou e seguiu fielmente as ordens dos genitores. Garcí cuidava dos irmãos e estava sempre ao lado da mãe a cada chegada de um novo irmão - o que explica a calma que teve quando fez o parto da irmã anos mais tarde.
          Por causa de uma doença desconhecida, em setembro do ano de 1977 Garcí perde a mãe. Ela e a família acreditam que a causa da morte de dona Benedita tenha sido um tumor próximo ao seio, na época cogitou-se que a matriarca da família não resistira a tanta decepção com uma traição do marido e uma gravidez inesperada de Celeste. Garcí não sabe ao certo o que tirou a vida da mãe, mas ela tinha certeza que aquele triste fato mudaria completamente o rumo de sua vida. Agora sobre os ombros havia caído a responsabilidade de criar os seis irmãos.
           Com 18 anos de idade e sabendo da gravidez de Celeste, Garcí assumiu o papel de mãe e ajudou o pai a cuidar de Josué e Sebastião, de 15 e 14 anos na época; do pequeno Tomás, 12 anos; e das pequenas Antônia, Neuza e Maria de Lourdes, respectivamente 10, 9 e 7 anos de idade.
           Nesse momento da vida a jovem Garcí se limitava a cuidar da casa, da comida e, acima de tudo, da educação dos irmãos. Ela não queria que acontecesse com eles o mesmo que aconteceu com ela e Celeste. Pensando nisso a “mãe substituta” matriculou todos os seus irmãos na escola e cuidou para que eles pudessem ser bem educados.
         A dedicação em cuidar deles fez com que seus irmãos não apenas a respeitassem como uma mãe, mas a chamassem como tal: “Mãe Garcí”. Até hoje os mais novos, Tomás, Antônia, Neuza e Maria ainda a chamam desse modo.
           O tempo foi passando e Garcí percebeu que alguns de seus irmãos já estavam prontos para seguirem sozinhos na vida. E em 1982, com 23 anos, Garcí resolve que chegara a hora de se dedicar a uma pessoa que ela tinha esquecido desde a morte da mãe: ela mesma.
         No ano de 1980 ela conheceu João Pedro Trindade da Silva em um arraial. Depois de um longo suspiro, Garcí começa a falar sobre o momento que pela primeira vez conversou com o homem com quem casaria anos mais tarde. Segundo ela, ele era um rapaz muito bem apresentado, já o tinha visto em vários arraiais de Nossa Senhora do Carmo, mas até então nunca tinha criado coragem para ir ao encontro dele. Mas a festa do Sagrado Coração de Jesus, no mês de outubro daquele mesmo ano, guardou uma grata surpresa para ela. João foi galanteá-la armado de uma prosa que logo a conquistou. Depois disso não demorou muito para eles se conhecerem melhor e descobrirem que foram feitos um para o outro.
           Apesar da paixão que sentia por João, Garcí pediu ao namorado, pelo amor que eles sentiam um pelo o outro, que ele esperasse o momento certo para que eles pudessem viver a vida como um casal. O apaixonado João esperou até 19 de outubro de 1982, o dia escolhido para marcar a união do casal, sobre as leis humanas e a lei de Deus.
        Mesmo após seu casamento ela continuou cuidando dos irmãos até todos eles alcançarem a maioridade e se “arrumarem” na vida.

O Dom

         Garcí tornou-se bastante conhecida na cidade pela história de luta e persistência na criação dos irmãos, mas não era esse o principal motivo de ser reconhecida. Garcí tornou-se conhecida pela atividade que realizava como parteira.
           Desde menina Garcí viu a mãe ter filhos. Curiosa, no momento do parto, ela ia para o quarto ver o que acontecia na hora em que dona Benedita dava à luz aos seus irmãos, isso lhe custou inúmeros ralhos de seus pais, mas a menina sempre conseguia “brechar” por entre a fechadura da porta ou pelo buraco da janela. Jamais alguém poderia imaginar que essas traquinagens ajudariam Garcí a salvar a vida do próprio sobrinho.
           Quando tinha 20 anos, Celeste, a irmã mais velha de Garcí, sentiu as dores do parto enquanto estava na casa dos pais. O pai da criança, de quem Garcí não gostava, estava viajando e naquele momento apenas a grávida e Garcí estavam em casa.
“No momento não sabia muito bem o que fazer, minha irmã tinha me falado que estava sentindo dores, mas disse que eu não precisava me desesperar. Passou um tempo e quando percebi, ela já estava em trabalho de parto. Estava chovendo e não daria tempo de eu ir até a casa da parteira por causa da distância. Então eu tomei a decisão de eu mesma fazer o parto da Celeste. Juro por Deus que não senti medo, nojo ou nervosismo, a única coisa que eu pensava era em salvar minha irmã e meu sobrinho. Consegui me lembrar dos partos que vi da mamãe e fiz exatamente como fizeram as parteiras que ajudaram a parir meus irmãos. Graças a Deus tudo deu certo e eu pude ajudar minha família”, relatou Garcí.
           Por realizar o parto de Celeste, Garcí ficou conhecida por toda a redondeza e, a partir de então, segundo ela, sentiu que tinha um dom e que deveria ajudar outras mulheres. Na contagem de Garcí, ela já foi chamada por mais de 500 vezes para ajudar as mulheres na hora do parto. 
             No começo, quando existia apenas um hospital em Parintins e as mulheres parintinenses confiavam mais nas parteiras do que nos médicos, Garcí era solicitada em média dez vezes por mês. Não cobrava nada em troca e o que não faltava eram convites para ser madrinha de um “curumim” ou uma “cunhantãn” que acabava de chegar ao mundo. Prontamente ela aceitava, segundo as contas dela, já são “pra lá” de 100 afilhados.
              Um fato curioso que aconteceu em um dos partos foi quando uma mulher, de quem Garcí “puxava” a barriga e cuidava desde os primeiros meses de gravidez, foi contrariada pelo marido que a levou para ter neném no hospital. A mulher fez um escândalo na hora de dar à luz e exigia que o marido trouxesse a mulher que cuidara dela para realizar o parto. O marido cedeu à pressão e teve que buscar Garcí.
          Essa não foi a única mulher a pedir no hospital para que a parteira Garcí realizasse o parto e, motivado pelo grande número de mulheres que confiavam ter seus filhos apenas nas mãos da famosa parteira, o SESP (agora Hospital Jofre Cohen) teve que contratá-la para sua equipe em 1989, quando tinha 30 anos. Trabalhou por doze anos no hospital, até que a equipe foi substituída por um grupo especializado.
             Garcí conta que de 1980 a 2001, foi o período mais feliz de sua vida, pois é nessa época em que ganha o que ela chama de maiores presentes de sua vida: o marido e os cinco filhos.
             Com 24 anos, em 1983, Garcí teve o primeiro filho, Waldir; dois anos depois teve Franciane; em 1987 teve João Pedro Filho; no ano de 1989 teve Ricardo e em 1992 teve a caçula Manoela. Segundo Garcí a maior alegria de uma mulher é quando ela tem um filho, o fruto do amor.

Os filhos de Garcí cresceram e o estágio que ela teve como “mãe” dando proteção e amor aos seus irmãos se multiplicou com os filhos e Garcí aprendeu que nada pode ser comparado ao amor verdadeiro de uma mãe.

A Perda do Filho e o Anúncio de Um Novo Presente

           Garcí, como toda mãe, amou todos os filhos incondicionalmente. Mas um em especial, o que recebeu o nome do pai, era o que ela mais depositava carinho e amor. O Jovem João Pedro Filho, com 25 anos em 2012, gostava de jogar futebol, havia sido um bom aluno nos tempos de escola, mas estava em sua essência ser um artista. Na terra do Boi, aprendeu a desenhar e a ajudou construir obras alegóricas para o duelo de Garantido e Caprichoso. Essas qualidades fizeram-no se destacar e o levou a ser chamado para compor uma equipe que viajou à São Paulo para participar da produção de alegorias que desfilariam na passarela do samba paulistana no carnaval 2012.
              O rapaz não podia se conter de tanta felicidade quando soube da notícia. A proposta representava o reconhecimento de todo o seu trabalho e seria uma oportunidade única de crescimento econômico. Ele contou para a mãe, que percebendo a alegria do filho, o apoiou.
           No dia 15 de janeiro, quando João foi se despedir da mãe, ele deu aqueles que seriam os últimos beijos e o ultimo “eu te amo” pessoalmente. Pediu benção e embarcou para São Paulo.
           Dois dias depois toca o celular de Garcí, e uma pessoa chorando diz do outro lado da linha: “Estou com muita saudade mãe, eu liguei pra dizer que a amo muito. Aqui em São Paulo é lindo! Um dia ainda trarei a senhora para conhecer essa cidade”, disse João.
          Os dias passaram e João ligava sempre que sentia saudades, para a felicidade da mãe que rezava pelo sucesso do filho.
            Vinte e quatro dias após a ida do filho para São Paulo, Garcí amanhece no dia 8 de março sentindo um mal-estar no corpo. O celular toca, era o número de João Pedro. A mãe atendeu, escutou a voz do outro lado da linha e percebeu que não era do filho. Mas o pior veio depois, quando a voz, às 9 horas, pronunciou a seguinte frase: “Dona Garcí, o João contraiu meningite e está correndo risco de morte. Está muito mal no hospital, venha para cá o mais rápido possível!”.
           Como se recebesse uma faca no coração, Garcí entrou em desespero e a pressão baixa fez com que ela desmaiasse. Foi levada para o Hospital Jofre Cohen e só voltou a acordar para se preparar para ir ao encontro do filho. Infelizmente, a mãe não chegou a tempo de encontrá-lo vivo. O corpo do filho veio para ser enterrado na cidade onde nasceu.
 “Foi a maior perda da minha vida, não há coisa pior que enterrar o seu próprio filho”, disse Garcí.

           A depressão tomou conta da parteira. Ela não conseguia superar a morte do filho favorito e deixou de viver à vida. Durante seis meses ela ficou sem se alimentar direito, comia apenas o suficiente para se manter viva, sofreu com insônia e até pensou em morrer. 
           A crise de depressão só passou quando ela recebeu a notícia de que seria avó. A filha Franciane, de 27 anos esperava o primeiro filho e o segundo neto de Garcí. A parteira disse que depois de um sonho, o filho disse que ele estava bem e que ela não devia ficar triste, mas sim feliz, pois ela ganharia um novo presente.
         Em busca da paz e da tranquilidade, Garcí mudou com o marido para a comunidade na zona rural onde nasceu. Ela passa a maior parte do ano no Paraná do Espírito Santo e só vem para cidade quando a saudade dos filhos aperta. Hoje ela continua a missão de ajudar outras mulheres a ganharem suas dádivas, e espera para o mês de março de 2014 o “presente” anunciado em sonho pelo seu eterno e amado filho.

Grupo:
Ana Alice Reis
Cristiane Fraga
Daiane Nogueira
Ellen Kethleen
Mauro Júnior
Disciplina: Jornalismo Cultural  2013/02

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